De um lado, o presidente Jair Bolsonaro acusa o governador da Bahia, Rui Costa Pimenta (PT), de atuar, por meio da Polícia Militar do estado, para matar o miliciano Adriano da Nóbrega, que tem ligação com o filho dele, Flávio Bolsonaro. De outro, o PT diz que o chefe do Executivo faz declarações falsas para atacar integrantes do partido. Enquanto as investigações avançam, a morte do miliciano se tornou uma pedra no sapato do governo e da legenda, e criou uma guerra de narrativas em torno da ação policial.
 
As circunstâncias da morte ainda não foram esclarecidas. Rui Pimenta afirma que os policiais foram recebidos a tiros e, por isso, revidaram, acertando Adriano, que morreu no local. Ele foi acusado por Bolsonaro de atuar para eliminar o miliciano, e não prender. O caso provocou um bateu-levou entre os dois.
Para respaldar a alegação de Bolsonaro, o Planalto citou, em nota, uma reportagem da revista Veja, que trouxe à tona fotos do corpo de Adriano, em que algumas marcas deixam dúvidas sobre a versão da polícia, de que ele foi atingido a longa distância. O texto também faz referência aos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSol), no Rio de Janeiro, e do ex-prefeito Celso Daniel, há quase duas décadas. “A atuação da PMBA, sob tutela do governador do estado, não procurou preservar a vida de um foragido, e sim sua provável execução sumária, como apontam peritos consultados pela revista Veja. É um caso semelhante à queima de arquivo do ex-prefeito Celso Daniel, onde seu partido, o PT, nunca se preocupou em elucidá-lo, muito pelo contrário”, completa o texto.
 
O que era para ser uma operação policial contra o crime organizado se tornou, portanto, uma disputa política. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em nota publicada no site do partido, acusa o presidente de fazer declarações falsas. “Bolsonaro volta a mentir e fazer acusações falsas ao PT e ao governador Rui Costa, para desviar a atenção sobre a morte do miliciano Adriano, testemunha das ligações da família Bolsonaro com o mundo do crime, das milícias e dos desvios de dinheiro no gabinete do filho Flávio”, afirma o comunicado. “Ultrapassa os limites do cinismo ao exigir esclarecimentos sobre essa morte e as de Marielle e Anderson, sobre as quais quem deve saber muito são pessoas próximas a ele, e volta a fazer insinuações covardes sobre a morte do prefeito Celso Daniel, 18 anos atrás.”
 
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, avalia que situações estaduais estão repercutindo em nível federal, o que prejudica a imagem do governo. “Eu acho que é um tema incômodo ao governo, embaraçoso. O fato é que qualquer nome de alguém que esteja envolvido a qualquer tipo de malfeito prejudica. Mas esse é um tema estadual”, frisou. “As milícias, em geral, são formadas por policiais que acabam se associando para garantir a defesa de uma determinada comunidade, de forma ilícita. O governo federal pouco pode fazer quanto a isso.”
 
Cristiano ressalta, no entanto, que as declarações que ligam o presidente ao miliciano ou a policiais corruptos do Rio representam, no momento, discurso mais político do que real. “O fato é que nunca houve uma prova cabal dessa ligação, desse envolvimento. Não houve nenhum depoimento por parte de milícia sequer dizendo que trabalha com o presidente”, frisou. “É um assunto constrangedor e embaraçoso. Mas é muito prematuro fazer qualquer vinculação disso com o presidente da República e com os filhos.”
 

Investigação

O corpo de Adriano da Nóbrega segue no Instituto Médico Legal (IML), no centro do Rio de Janeiro. Somente servidores autorizados podem ter acesso ao local. A família solicitou à Justiça da Bahia a realização de uma nova perícia para saber as verdadeiras circunstâncias da morte. No entanto, na noite de ontem, o juiz titular do 4º Tribunal do Júri do Rio, Gustavo Gomes Kalil, determinou que o corpo não precisa ser preservado nem passar por novos exames. Há, porém, um pedido da defesa, apresentado na Justiça da Bahia, para que uma nova perícia seja realizada no cadáver.
 
Os laudos que já foram liberados confirmam as versões oficiais, de que ele teria reagido antes de morrer. No entanto, o exame residuográfico, que deve comprovar se ele fez ou não disparos antes de ser atingido, não ficou pronto ainda. O relatório da perícia realizada no local da ação também não foi finalizado até o momento.