O artigo escrito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, para o EL PAÍS repercutiu entre agentes políticos brasileiros e especialistas do Direito. No texto intitulado Por um grande pacto republicano no Brasil, publicado nesta segunda-feira, Toffoli defende, entre outros pontos, que "a política volte a liderar o desenvolvimento do país". No mesmo dia, ele concedeu uma entrevista para a imprensa estrangeira na qual afirmou que, depois de anos na linha de frente de debate público no Brasil, o Judiciário precisa se retrair e, ao mesmo tempo, voltar-se para a garantia dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. "Não cabe ao Judiciário ser centroavante, mas nós seremos zagueiro", resumiu o magistrado.

“É tudo o que nós queríamos ouvir. Mais do que a independência, o que importa é a harmonia entre os poderes”, afirmou a líder do MDB no Senado, Simone Tebet. Para a senadora, essa harmonia foi atingida quando, “independente da culpa”, houve um forte “ativismo” do Judiciário e um enfraquecimento tanto do Executivo quanto do Legislativo. “Isso pode ter ocorrido por inércia nossa mesmo”, disse. Tebet também elogiou o pedido feito pelo presidente do Supremo em suas manifestações, de que os três poderes deveriam celebrar um “pacto” para a aprovação das reformas tributária e da Previdência. “Ele está dizendo que o Judiciário está à disposição da política para ajudar a resolver os problemas do país”, disse.

 

Candidata a vice-presidente de Geraldo Alckmin, a senadora Ana Amélia (PP) abordou em um pronunciamento no plenário do Senado alguns pontos levantados por Toffoli tanto em seu artigo quanto na coletiva de imprensa. Ao comentar uma decisão da 1ª Turma da Suprema Corte nesta semana, Ana Amélia disse que houve nos últimos anos uma “judicialização da política muito forte e muito acentuada”. “Ao ponto de que o próprio presidente [do STF], ministro Dias Toffoli, ter agora recomendado uma convivência harmônica, uma junção entre os poderes, as lideranças dos poderes, para uma pacificação e um encontro de convergências dos poderes neste novo momento que a vida nacional está enfrentando, extremamente saudável”, afirmou a senadora. “E o próprio ministro Dias Toffoli reconhece o excessivo protagonismo do poder Judiciário no sistema político brasileiro. Mas, claro, esse espaço [ocupado] pela Justiça no sistema político só acontece pela nossa ausência, pelas nossas falhas, pela nossa omissão na política”, resumiu.

Num país que recentemente passou pelo impeachment de uma ex-presidenta da República e pela cassação de um presidente da Câmara dos Deputados; que ainda convive com os desdobramentos de uma investigação anticorrupção sem precedentes, a operação Lava Jato; que teve o atual presidente, Michel Temer, denunciado em duas ocasiões pela Procuradoria-Geral da República e que no início deste ano assistiu a um dos mandatários mais populares da sua história ser preso em razão de uma condenação por corrupção, o Judiciário — e o Supremo em particular — assumiu um papel de destaque sem precedentes diante da opinião pública. Além do mais, houve ao longo dos últimos meses embates entre integrantes da corte, principalmente em temas relacionados à Lava Jato, que evidenciou rachas e divisões internas na Corte.

Reformas

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que concorreu à Presidência da República e foi derrotado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, abordou por sua vez o trecho do artigo em que Toffoli propõe um pacto em prol de proposições econômicas. Questionado pelo EL PAÍS nesta quarta-feira, Haddad disse que era preciso, antes de mais nada, saber que tipo de reforma o presidente do Supremo está defendendo. “Em princípio ninguém é contra, genericamente, a uma reforma, seja [ela] tributária ou previdenciária, até porque nós seríamos contraditórios conosco, uma vez que nós promovemos algumas reformas importantes no país. Precisa saber o caso concreto, de qual reforma nós estamos falando”, declarou Haddad. “Se for contra os pobres, por exemplo, alguém propondo um pacto contra a Previdência dos pobres no país, como uma proposta contra o Benefício de Prestação Continuada (BPC); se alguém faz uma proposta contra o BPC e pede um pacto nacional em torno disso, nós estaremos fora. É uma questão de princípio concreto, no caso concreto, não em abstrato. Em abstrato a palavra é vazia de significado”, disse.

Juristas

O objetivo de Toffoli com as suas mensagens dividiu especialistas em Direito. Enquanto os ex-ministros da Justiça José Eduardo Cardozo e José Gregori elogiaram o esforço de Toffoli no sentido de diminuir o protagonismo acumulado pelo Judiciário brasileiro nos últimos anos, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, avaliou que, ao dar esse tipo de declaração pública, o chefe do Poder Judiciário está justamente direcionando mais ainda os holofotes para a Suprema Corte. Em linha parecida, o professor de Direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena, considerou que não cabe ao presidente do STF propor um pacto nacional pela aprovação de reformas.

“O ativismo judicial exacerbado que nós temos visto tem desequilibrado a relação entre poderes. E acho bom que essa reflexão seja feita e colocada pelo presidente do STF”, avalia Cardozo, que foi ministro da Justiça entre 2011 e 2016, durante os governos da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). O jurista José Gregori, que comandou a mesma pasta entre abril de 2000 e novembro do ano seguinte, na administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), tem argumento similar. Para ele, o Supremo viveu um forte protagonismo — “na redemocratização ainda não tinha tido esse relevo” — devido ao enfraquecimento tanto do Executivo quanto do Legislativo. “Isso fez com que, diante do esmorecimento dos outros poderes, o Judiciário crescesse muito e desse a possibilidade, ainda que não desejada, para certas individualidades se expressarem. O Supremo, ao invés de ser um continente, passou a ser um arquipélago”, avalia Gregori. “Desde o discurso de posse [de Toffoli], mesmo as declarações que fez antes, a atitude dele é [no sentido] de restaurar a sobriedade do Supremo”, conclui.

Gilson Dipp, ex-membro do STJ, concorda que o Supremo viveu “um protagonismo negativo” nos últimos anos. No entanto, ele opina que, ao realizar falas com o objetivo de autoafirmar o papel da Corte daqui pra frente, Toffoli acaba realçando ainda mais esse papel indesejado. “O Supremo tem um papel de guardião da Constituição, não tem que estar se alçando a fazer declarações de ordem política”, diz Dipp. “O presidente da Corte quer manter o Supremo e a presidência do Supremo no foco, mesmo que profira palavras pacificadoras e modestas. É uma forma de manter a luz sobre o Supremo, os holofotes através de outro tipo de declaração, o que não é papel do Supremo”, acrescenta.

Já Oscar Vilhena, professor da Fundação Getulio Vargas, ressalta que é positivo que Toffoli tenha explicitado em seu artigo que o Supremo atuará na defesa de direitos democráticos, como a liberdade de expressão. No entanto, ele pontua que não é função da Corte ou do seu presidente propor um pacto ou um acordo com os demais poderes para a discussão de determinadas pautas políticas, como a reforma da Previdência ou tributária. “De um lado o ministro [Toffoli] está certo em reforçar o papel do Supremo enquanto guarda [da Constituição], [de] impugnar atos que violem [direitos]. Mas acho que é incongruente ele propor a criação de um certo pacto republicano, porque realmente este não é o papel dele. Ele não foi eleito para fazer isso”, afirma.