Em entrevista ao podcast Mundioka, analistas advertem para o retorno do nazismo no mundo com a exaltação de figuras como Stepan Bandera e a perda de vergonha de colocar-se publicamente como nazista.
Em 27 de janeiro de 1945, as tropas soviéticas libertaram o campo de concentração de Auschwitz, onde milhões de judeus e outros prisioneiros foram mortos durante a Segunda Guerra Mundial.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas destacam a importância de lembrar dessa data.
Ricardo Quiroga Vinhas, tradutor de russo, pesquisador do Grupo de Estudos 9 de Maio e autor dos livros "A grande guerra patriótica dos soviéticos" e "Josef Stálin: sobre a Grande Guerra Patriótica", afirma que Auschwitz se tornou um símbolo máximo do Holocausto, especialmente em território europeu, por causa da escala em que operou esse complexo de campos de concentração e de extermínio.
"A amplitude fez com que ele [Auschwitz] se torne um símbolo mágico. Foi onde morreram mais pessoas pelas tristemente famosas câmaras de gás."
Ele acrescenta que Auschwitz não era um campo, mas um complexo de campos de concentração e um campo de extermínio.
 

"Era uma rede localizada nessa região sul da Polônia. Tinha Auschwitz 1, que era o campo principal do centro administrativo; Auschwitz 2, Birkenau [Birkenau era por causa de uma vila onde também se localizou, que era o campo de extermínio]; Auschwitz 3, Monowitz, e mais 45 campos-satélite, então nós estamos falando de 48 estruturas que foram criadas para isso", explica.

 
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O número de mortos em Auschwitz até hoje é fruto de debate. Não há um número exato, mas pesquisadores estimam entre 1,3 milhão e 3 milhões de mortos. Vinhas sublinha que entre as vítimas não havia apenas judeus, mas também ciganos, testemunhas de Jeová, prisioneiros soviéticos e poloneses.
Ele afirma que "o nazismo está voltando com força no mundo hoje" e aponta a exaltação de figuras como Stepan Bandera na Ucrânia, famoso por sua colaboração no regime nazista de Adolf Hitler, e Francisco Franco, que entre 1939 e 1975 governou a Espanha sob um brutal regime ditatorial.
 

"Infelizmente, a gente vê o crescimento [do nazismo no mundo], inclusive no Brasil. Aí o que cabe é o repúdio total, o combate em todas as esferas e, principalmente, a responsabilidade que os governos democráticos […] têm em coibir legalmente qualquer manifestação nazista ou neonazista."

 
Nesse sentido, ele afirma que "o Brasil está mil anos-luz à frente dos EUA, que liberam totalmente" manifestações nazistas.
"Lá [nos EUA], um neonazista […] pode fazer o que quiser. A não ser que ele queime uma sinagoga, está liberado […]. Aqui no Brasil já não pode, são células clandestinas. Mas apareceu com uma suástica, falou uma besteira, rapidamente o poder da justiça cai em cima."
Apesar de seu papel fundamental na derrota dos nazistas, a Rússia foi excluída da cerimônia para marcar os 80 de Auschwitz, prevista para ocorrer em 27 de janeiro, na Polônia.
Karl Schurster, professor titular de história contemporânea da Universidade de Pernambuco (UPE) e pesquisador da Universidade de Vigo, na Espanha, afirma que um dos motivos é que essa será a primeira vez que líderes políticos não vão falar na cerimônia, e o protagonismo será exclusivo dos sobreviventes. Isso porque, pelo avanço da idade, esta pode ser uma das últimas oportunidades de reunir um volume significativo de sobreviventes.
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Questionado sobre a saudação nazista feita por Elon Musk durante a celebração da posse presidencial de Donald Trump nos EUA, Schurster afirma que, ao longo da última década, as pessoas perderam a vergonha de usar símbolos, gestos e vocabulários em alusão ao nazismo, que antes eram combatidos.
 

"E, obviamente, no mundo digital onde tudo é like, compartilhar, cancelamento, ame ou odeie, as pessoas precisam achar mecanismos de sempre estar socialmente aparecendo e socialmente criando algum tipo de questionamento", afirma.

 
Ele frisa que o próprio Musk passou boa parte dos anos dizendo que considerava republicanos e democratas iguais, e depois se tornou o maior financiador da campanha de Trump.
"E, de repente, ele [Musk] assume um cargo político dentro do governo Trump e na primeira possibilidade possível. Ele diz que não foi uma saudação nazista, que foi um gesto desajeitado e que isso era mais uma tentativa de juntar ele à figura de Hitler. Mas todo mundo sabe que, pouco antes desse próprio gesto dele, o Steve Bannon estava em uma reunião privada e fez a saudação nazista. Ou seja, em poucos dias de governo esse gesto se repetiu com várias personalidades que estão ligadas ao governo Donald Trump. Então perdeu-se a vergonha de colocar-se publicamente como fascista ou com os gestos fascistas que querem dizer muita coisa, porque eles são a representação social do ódio, eles são a representação social da exclusão", afirma.
Para Schurster, a cerimônia dos 80 anos de Auschwitz deste ano vai levar a uma reflexão para além do passado traumático, buscando entender "por que nós continuamos com um presente traumático".
 
"Eu diria que Auschwitz não é escola para direitos humanos. A gente não estuda e não aprende com o genocídio para que ele não se repita, porque, no final das contas, a gente tem pouco controle sobre o que o passado ensina ou não, mas, acima de tudo, o passado adverte. Auschwitz é mais do que um ensinamento, é uma advertência permanente sobre o que nós somos capazes de fazer."