Após enfrentarem forte desconfiança da comunidade internacional, cientistas russos divulgaram os resultados das fases 1 e 2 dos testes em humanos da sua vacina contra Covid-19. Nesses testes preliminares, ela foi considerada segura e eficaz. O estudo foi publicado na revista científica “The Lancet”, uma das mais importantes do mundo, nesta sexta-feira (4).

 

 

A médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, avalia que o problema da vacina russa é que a imunização foi aprovada sem os resultados da fase 3, que ainda será feita. "Teria sido ótimo se tivessem feito da seguinte maneira – publicado esses resultados e passado para a fase 3. Passar para a vacinação em massa sem fase 3 é desastroso", avalia Garrett. "Se há um efeito adverso que é de 1 em cada 100 pessoas, eles testaram só 76", lembra.

Ela destaca que, caso fosse essa a incidência de efeitos colaterais graves, muitas pessoas poderiam ser afetadas. "Centenas de milhares, milhões, até bilhões de pessoas podem receber essa vacina. Se aplicar em mil pessoas, são 10 pessoas previamente sadias que vão desenvolver efeito adverso grave", ressalta Garrett.

A epidemiologista explica que usar dois adenovírus diferentes para "carregar" o vírus faz com que a vacina seja uma espécie de "duas em uma". Isso é importante porque, como o adenovírus é um vírus comum, usar apenas um deles pode fazer com que o sistema de defesa do corpo não o reconheça como um "invasor" e não produza uma resposta tão forte contra ele.

 

Essa vacina "dois em um" é o grande diferencial também na visão da infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas. “A vacina usa dois vetores virais. Depois de 42 dias de observação, os eventos adversos da vacina foram os esperados: leves, febre, cefaleia. O resultado é bastante promissor e era necessário esse tipo de anúncio, visto que as vacinas que estão em fase 3 já tinham publicado seus resultados de fase 1 e 2", fala.

Para Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, os resultados são promissores e preliminares. “Eles fizeram uma boa fase 1. Usaram uma estratégia interessante, com dois adenovírus diferentes. Funcionou bem, eles conseguiram uma boa resposta de anticorpos compatível com pessoas que já tiveram a doença. Investigaram também linfócitos T e tiveram uma boa resposta”, explica. A vacina russa usa vírus modificados para transportar material genético do coronavírus e induzir resposta imune do corpo.

Ela ressalta que a fase 1 teve um número pequeno de participantes, a maioria homens jovens, e que as próximas fases precisam de mais diversidade. “Por enquanto são resultados promissores. A vacina não deu efeitos colaterais graves, deu uma boa resposta, bons marcadores de imunidade”, completa a microbiologista.

Estudos prévios mostram que uma imunidade duradoura está mais relacionada à imunidade celular, e não ao anticorpo que circula no sangue. Isso não é um fato novo dessa vacina, mas prova que ela gera essa imunidade celular”, avalia Croda.

O especialista diz que o estudo publicado na revista científica mostra que a vacina russa parece produzir um nível de anticorpos um pouco menor do que a vacina de Oxford, que está sendo testada no Brasil. "Mas, definitivamente, só depois dos resultados da fase 3 de testes a gente vai poder comparar essas diferentes tecnologias", fala Croda.

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, diz que o resultado é importante, mas ressalta que ainda falta a fase 3, em que a vacina é testada em um grande número de pessoas.

 

"Apesar de ter sido um estudo com poucos voluntários, ela mostrou segurança, mostrou que produz anticorpos e credencia a vacina para um estudo mais avançado de eficácia. Hoje a vacina pode ser categorizada como candidata, mas depende do estudo de fase 3", diz Kfouri.

Os cientistas do Instituto Gamaleya, que desenvolveu a vacina, disseram à imprensa que essa resposta foi maior do que a vista em pacientes que foram infectados e se recuperaram do novo coronavírus naturalmente.

A vacina russa foi testada em 76 pessoas. Todas receberam uma forma da vacina, sem grupo de controle (grupo de pessoas que não recebem a vacina, mas servem de comparativo com aquelas que tomaram).

Além disso, os resultados também sugerem que a vacina produz uma resposta das células T, um tipo de célula de defesa do corpo, dentro de 28 dias. As células T têm, entre outras funções, destruir células infectadas por um vírus. Os cientistas do Gamaleya afirmaram que as respostas de células T vistas com a vacina indicam não só uma resposta imune forte, mas de longo prazo.

 

Etapas

 

As fases 1 e 2 dos testes de uma vacina buscam verificar a eficácia e a segurança delas, ainda com menos participantes que a fase 3. Normalmente, os testes de fase 1 têm dezenas de voluntários, os de fase 2, centenas, e os de fase 3, milhares.

Na fase 3, o objetivo dos testes é verificar a eficácia em larga escala. Nesta etapa, a Rússia pretende chamar 40 mil voluntários. As fases costumam ser conduzidas separadamente, mas, por causa da urgência dos resultados, várias vacinas têm sido testadas simultaneamente em mais de uma fase.