Considerada pela ONU o terceiro maior produtor de cocaína no mundo, atrás apenas de Colômbia e Peru, a Bolívia se tornou há décadas reduto do crime organizado transnacional, como o PCC. Em meio a mais uma crise institucional, por conta dos bloqueios promovidos pelo ex-presidente Evo Morales, o país corre o risco de se tornar mais vulnerável.
Ponto de partida das rotas do tráfico de drogas controladas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a Bolívia se tornou um dos territórios de forte atuação da facção criminosa que nasceu em São Paulo. Os entorpecentes costumam chegar ao Brasil através da fronteira com o Mato Grosso do Sul, tanto pelo lado boliviano quanto pelo paraguaio. Inclusive, há fortes indícios de que lideranças importantes do crime organizado tenham fugido para o país, como é o caso de André do Rap. O narcotraficante está foragido desde 2020, quando foi liberado da prisão após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A mesma corte suspendeu a medida, porém o criminoso nunca mais foi localizado.
Diante da forte presença do PCC na região, a Polícia Militar de São Paulo tenta estabelecer laços com os oficiais bolivianos para facilitar as investigações contra a facção. Porém, nas últimas semanas, o país vive uma nova crise política por conta de disputas entre o ex-presidente Evo Morales e o atual chefe do Executivo, Luis Arce, que disputam a indicação do Movimento ao Socialismo (MAS) para a eleição do próximo ano. Diante disso, Morales passou a liderar bloqueios em diversas rodovias pelo país, processo que chegou a ser paralisado por 72 horas desde a última quarta-feira (6).
José Ricardo Bandeira, especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina (Inscrim), enfatizou à Sputnik Brasil que a instabilidade pode deixar o país ainda mais vulnerável ao domínio de facções transnacionais como o PCC.
 

"Em um país em que temos estabilidade política, logicamente isso também se reflete na atuação policial. E, em alguns momentos, a fronteira entre Brasil e Bolívia e as estradas que unem os dois países podem estar menos ou mais reforçadas em relação ao controle policial, o que vai interferir diretamente na atuação das facções criminosas dos dois países. Há um risco muito grande de o PCC aproveitar essa vulnerabilidade e aumentar sua atuação no território. Isso é fundamental para eles para encurtar a distância entre o mercado produtor e o mercado consumidor de drogas com a questão logística e, também, aumentar seu lucro", resume.

 
Já Danilo Bragança, coordenador adjunto do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira da Universidade Federal Fluminense (LEPEB/UFF), pontuou à Sputnik Brasil que os bloqueios no país podem ainda causar alguma interferência nas rotas de escoamento de drogas no país, apesar de estarem consolidadas há mais de 30 anos.
"As operações [do PCC] podem sofrer algum tipo de entrave por conta da agitação geral do próprio país, mergulhado também em protestos contra a [possível] prisão de Evo Morales. Isso pode até causar algum tipo de interferência nas rotas do tráfico, mas o problema é que o crime organizado está estabelecido no país há décadas. E também existe uma relativa institucionalidade, incluindo a conivência e a participação direta das autoridades policiais bolivianas e de outros agentes públicos. Só que existe a agitação política, que não é nova na Bolívia, mas já pode ser considerada uma crise", explica.
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Como é a segurança na Bolívia?

Ao longo de quase 3,5 mil quilômetros de fronteiras terrestres compartilhadas entre Brasil e Bolívia, há cidades, rios, canais, lagoas, fazendas e muita vegetação. Toda essa magnitude, que inclui ainda quatro estados brasileiros — Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul — dificulta ainda mais o controle da região, fato explorado muito bem por facções como o PCC. Mesmo com a instabilidade política do país vizinho, Bragança lembra que "não há qualquer notícia" de redução da oferta de drogas em qualquer parte do Brasil.
"As rotas e os acordos não são novos; já existem há muito tempo. E também envolvem a polícia. Caso tenha algum entrave, são resolvidos pela própria dinâmica do tráfico, que é o suborno, a mudança provisória de rota e alguma reorganização geográfica para que continue funcionando", diz. Além disso, o especialista lembra que há forte presença de membros de facções criminosas, inclusive em altos postos do governo, seja federal, estadual ou municipal.
 

"A participação de membros de alto escalão das facções criminosas em governos foi um problema do México até o Chile, de forma geral, tanto no âmbito federal quanto no estadual quanto no município. Esse é um problema crônico da América Latina e é possível que a situação política instável da Bolívia deixe que novos arranjos políticos apareçam e que dê acesso a esses grupos armados a terem cargos públicos de chefia e de comando."

 
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Como funciona a cooperação internacional?

De acordo com o especialista, é justamente a cooperação internacional entre as polícias — parceria cujas autoridades de São Paulo tem tentado estabelecer — uma das principais formas de combater o tráfico de drogas transnacional.
"Isso deve ocorrer entre polícias federal e estaduais, órgãos de inteligência, ministérios de Justiça, entre outras instituições de Estado que cooperem para lidar com esse problema. Faz com que estreite laços e compartilhe informações que podem ser muito importantes para as investigações", justifica.
O presidente do Inscrim tem a mesma opinião e lembra do tamanho do poderio do PCC, cujo faturamento é estimado em, no mínimo, US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) por ano, a maior parte oriunda do tráfico internacional de drogas.
"Mesmo que a Bolívia não esteja passando pelo seu melhor momento, esse apoio que a polícia de São Paulo está buscando ocorre em excelente hora, já que pode suprir possíveis vulnerabilidades que existam dentro da atuação da corporação boliviana."